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Filósofo educador. "(...) a felicidade não é o somatório de todos os prazeres de que logramos desfrutar menos todas as dores que não conseguimos evitar e, sim, uma certa qualidade de vida".

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Resposta à pergunta: O que é "esclarecimento"? [Aufklãrung]



Tomemos esse texto como referência do movimento denominado lluminismo, entendendo pertinente a tal movimento o pensamento Kantiano desenvolvido no texto Resposta à pergunta o que é Esclarecimento?
O esclarecimento [Aufklãrung] é a dificuldade que o homem encontra em sair da “menoridade”, pela qual ele se torna incapaz de fazer uso de seu entendimento sem se direcionar por outros.
Kant deixa de relevo a cultura e o contexto social herdado século XVII como sendo responsáveis pelo “estacionamento” do homem na menoridade; que significa a comodidade, pois ele pode pagar para ter o que deseja e em alguns casos, por covardia, não ousa tentar buscar um novo caminho que o leve a liberdade do entendimento humano.
Nesse ínterim, a pequena parcela que alcança a maioridade, passa a liderar, formando uma sociedade de dominadores e conseqüentemente de dominados, onde os homens comportam-se de maneira passiva, não fazendo uso de sua própria razão, a qual deveria deixar de ter fim em si mesma e ser o instrumento que impulsionasse o homem ao esclarecimento.
“Esclarecimento [Aufklãrung] é a saída do homem de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a direção de outro individuo. O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere Aude! Ousar Saber tem coragem de fazer uso de teu próprio entendimento, tal é o lema do esclarecimento [Aufklãrung]”.
Ousar conhecer exigia uma transposição cultural e social, ou seja, o homem deveria sair da imobilidade intelectual e definir os rumos de sua própria existência.
A preguiça e a covardia são a priori apontadas como as causas pela qual uma considerada parcela dos homens, depois que a natureza os libertou de uma direção estranha, continuem de bom grado menores durante toda a vida. E isso justifica porque é tão fácil que os outros se constituam em tutores deles. É tão cômodo ser menor.
Nesse caso, as coisas estão ai para me servir, pensar por mim, um livro faz às vezes de meu entendimento, um médico que decide por minha dieta, um espírita que antecipa meu futuro (...) uma novela/ big-brother que me transporta para uma realidade menos traumática e assim segue. Não ter o que pensar é muito mais cômodo, pois basta pagar, outros se encarregarão em meu lugar dos negócios desagradáveis.
É importante lembrar que nesse contexto cultural, muitos foram os preconceitos e pré-juizos que interfiriam e dificultavam os horizontes da era iluminista.
Kant fala também que entre a maioria da humanidade, “inclusive todo o belo sexo” considera a passagem à maioridade difícil e além do mais perigosa, isso porque aqueles tutores se encarregariam dos afazeres. A mulher, vista como “belo sexo” não tinha uma representatividade decisiva nesta sociedade e, portanto, era julgada incapaz de pensar e agir por si mesma, necessitando de um tutor que garantisse as suas necessidades, encarregando sobremaneira de pensar, agir e decidir por ela.
O medo e o fracasso, diz Kant, é o que levava à covardia deste “belo sexo”.
“Depois de terem primeiramente embrutecido seu gado doméstico e preservado cuidadosamente estas tranqüilas criaturas a fim de não ousarem dar um passo fora do carrinho para aprender a andar sozinhas, no qual se encontravam, mostram-lhes em seguida o perigo se tentarem andar sozinhas”.
Kant fala do contexto histórico e social herdado do século XVII e da necessidade do homem desvincular destas raízes. Para tal intento, faz mister mergulhar dialógica e profundamente nas águas densas dessa atmosfera filosófica para alcançar o direito à liberdade do entendimento, uma vez que a menoridade se tornou quase uma natureza. Demonstra ainda a crença na revolução, como instrumento para dissipar com o domínio de uma parcela da humanidade sobre a outra, propiciando a liberdade, que é, talvez a única senda capaz de impulsionar o homem a conhecer o mundo do qual ele faz parte.
O homem precisa fazer uso de sua razão, seja ela pública, quando ele faz uso pleno da sua liberdade, ou privada, que apesar de estreita e limitada, não o impede de chegar à maioridade e pode inclusive vir a se tornar uma razão pública. Esta é a via que irá libertar o homem da obscuridade, trazendo-lhe esclarecimento, luz, e compreensão do mundo real. A razão deve ser função instrumental norteadora do pensamento conduzindo o homem à investigação dialética e a compreensão do ser.
Conforme exposto, é difícil, portanto, para um homem em particular não pensar a menoridade que para ele tornou quase uma natureza. O curioso é que chegou mesmo a criar amor a ela, e assim incapaz de utilizar seu próprio entendimento, porque nunca o deixaram fazer à tentativa.
Assim sendo, toda a epistemologia empreendida nessa época tão significativa e iluminada tem como pilar o individualismo, que significa que pela primeira vez na história o homem foi pensado como individuo e não como um membro de uma coletividade. Até esse momento, o individuo era visto como membro da polis, como súdito do rei, (...) do imperador ou do papa, enfim, era visto como um integrante de uma coletividade. A grande guinada da modernidade emoldurada no séc. XVIII ilustra com seus matizes uma reviravolta, a afirmação da razão como auto-suficiente justificada a partir de si mesma e pavimentando a tendência de desprender o homem da malha do coletivo, de vê-lo como uma singularidade concreta, livre do todo grupal, não de opor-se ao coletivo, mas de ter uma identidade própria, uma vida própria, uma mente própria que não conflua necessariamente com os objetivos da comunidade sem, portanto opor-se a ela.
Esta foi sem dúvida a grande conquista e o lugar mais alto da lucidez intelectual e libertadora do individualismo, diferente, sem dúvida do sentido que a palavra adquiriu hoje em dia, associado à idéia de hedonismo egoísta, ego-centrado.
Reiterando o que disse na primeira linha, esse texto é apenas uma referência do movimento iluminista. Entenda por esse movimento, uma marca simbólica da história da Europa Ocidental influenciada por um otimismo sem precedentes nas possibilidades e nas conquistas da razão. Foi uma época marcada por uma confiança no conhecimento, e ao mesmo tempo depositava na razão um poder infinito, ilimitado. Significa que não se esgota aqui. A jornada cognitiva é longa e requer sempre e mais leituras e para tanto não podemos nos contentar com leituras estéreis e vazias de sentido. A ousadia do pensamento é algo desejável por todos nós bem como referências históricas e métodos próprios o são de grande valia para nossas conquistas filosóficas e epistemológicas.
O conhecimento requer uma lenta e gradual caminhada em busca de sua precisão, e por isso, não podemos prescindir da nossa autonomia intelectual, reconhecendo o mister de estudo do saber dos antigos, dos clássicos (aqui sem passagem) dos modernos, dos contemporâneos, do saber alheio como uma via para a delimitação e lucidez de o saber almejado por todos nós.
Está ai um convite para se pensar. A quem se propuser boa sorte.
Paz e bem!

Referência: KANT, Immanuel. Resposta à pergunta o que é “esclarecimento”?[Aufklãrung]. Textos seletos. Petrópolis: Vozes, 1974.







2 comentários:

  1. muito bom!
    poderia também dar um exemplo de menoridade imposta e auto-imposta...mas ta muito bom!!!!

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  2. Infelizmente existe a tendência de interpretar um filósofo conforme o gosto da época. No texto acima, o autor transforma Kant de um pensador idealista e reacionário em alguém próximo ao iluminismo francês. Ora, ao contrário do texto, Kant foi crítico da Revolução francesa e do materialismo francês. Carola ao extremo, tentou conciliar o racionalismo cartesiano ao atraso material e político da Alemanha
    Deu no que deu, um sistema que só tem relevância para o pensamento conservador. Ou você conhece alguém progressista que seja kantiano?
    Quem leu o texto "o que é esclarecimento" com atenção sabe é ridículo acreditar, conforme kant coloca, que o esclarecimento é um processo a cargo do indivíduo. Isto é reacionarismo liberal da melhor espécie.
    Então, vamos parar de perder tempo com carolas reaças.

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