Quem sou eu

Minha foto
Divinopólis, Minas Gerais, Brazil
Filósofo educador. "(...) a felicidade não é o somatório de todos os prazeres de que logramos desfrutar menos todas as dores que não conseguimos evitar e, sim, uma certa qualidade de vida".

terça-feira, 11 de março de 2014

De Atenas aos dias atuais. Trabalho, alienação e cidadania.

Criou-se no mundo moderno a máxima de que o conhecimento é que impulsiona a economia. Em contrapartida, na outra ponta da história, em especial na Grécia Antiga conhecimento e trabalho eram realidades completamente distintas, porém determinantes na esfera social que vigia naquela época. Para os gregos o ócio tinha uma conotação estritamente física: trabalho era tudo aquilo que fazia suar, com exceção do esporte. Quem trabalhava, isto é, suava a roupa, ou era um escravo ou era um cidadão de segunda classe. As atividades não físicas como, por exemplo, a política, o estudo, a poesia, a filosofia eram ociosas, ou seja, expressões mentais, dignas somente dos cidadãos de primeira classe. 1
Sobre isso Aristóteles no século V a.Cdiz: “o homem é um animal racional”, trocando em miúdos é dizer que o que define a humanidade de alguém e sua dignidade é a capacidade de dedicar-se ao pensamento e não às obras manuais, aos serviços pesados. Isso era considerado castigo e, portanto, uma atividade longe de ser considerada nobre e por isso, reservada para àqueles que desenvolvessem trabalhos com as mãos. Os gregos desprezavam o trabalho e por isso o considerava uma obrigação dos escravos e degradação do homem livre. A esse respeito vejamos mais uma das suas reflexões em A política: a natureza distinguiu os corpos do escravo e do senhor, fazendo o primeiro forte para o trabalho físico e o segundo esguio e, se bem que inútil para o trabalho físico, útil para a vida política e para as artes, tanto na guerra quanto na paz. A utilidade dos escravos é mais ou menos a mesma dos animais domésticos: ajudam-nos com sua força física em nossas necessidades cotidianas.
Pois bem, a idéia de trabalho como castigo se confunde com a própria história da criação do homem e a encontramos em Gênesis no mito adâmico que em virtude do pecado original, por haver desobedecido à ordem do Criador, de não provar dos frutos da árvore do conhecimento foi lhes concedido o trabalho como castigo pelo erro cometido. A mulher recebeu uma condenação: “vais pagar com as dores do parto pelo teu erro” e o homem outra condenação: “vais trabalhar”. Note que pedagogia parecida fora adotada com a  formação das sociedades clássicas greco-romanas que se desenvolveram com base no sistema escravocrata. Portanto, nas fases aqui mencionadas  o trabalho foi considerado coisa menor, indecente, imoral ou de gente que está sendo punida. Etimologicamente falando, trabalho vem do latim tripalium, que era um instrumento de tortura, isto é, três paus entrecruzados para serem colocados no pescoço de alguém com o objetivo de produzir desconforto.
De todo modo se levarmos em consideração a história  seja ela a Antiga, a hebraica cristã ou a medieval não vamos perceber modificações substanciais em relação ao trabalho. Entretanto, voltemos mais uma vez aos gregos; são eles os responsáveis por uma revolução ao nível do pensamento crítico e que por essas razões no século V e IV a.C num verdadeiro exercício dialógico nortearam profundas discussões políticas, éticas e filosóficas e que edificaram sob essas estruturas um modelo controverso de Democracia e sobretudo, o direito de “todos” os cidadãos poderem participar livremente do jogo político dessa época. De tal sorte criou-se a Assembléia e o Tribunal onde os rumos da cidade eram discutidos deixando de fora outros assuntos como os mitos e superstições e outros valores como uma discussão de foro intimo restrito e inerente a subjetividade dos indivíduos.
Credita-se a idéia de cidadania ao antropocentrismo grego e, sobretudo na presença de espírito dos filósofos sofistas que souberam dar volume nas questões sociais que se agitavam num lugar até então dominado economicamente e politicamente pelas famílias aristocráticas; em Atenas, por exemplo, era considerado cidadão homens, filhos de pais e mães atenienses maiores de idade os demais, velhos, mulheres, crianças, escravos e estrangeiros não eram considerados cidadãos. Estes últimos transitavam, praticavam comércio e trabalhavam, mas não eram considerados cidadãos.
Da Antiguidade aos nossos dias, os germes para o surgimento da cidadania e a concepção de trabalho como fonte de identidade e auto-realização humana só foi possível a partir do Renascimento e desde então o trabalho adquire um significado intrínseco, “as razões para trabalhar estão no próprio trabalho e não fora dele ou em qualquer de suas conseqüências” 2
Com o advento da modernidade – séc. XV e XVIII e o seu processo de secularização o conceito de cidadania estará fortemente ligado à idéia de Direitos em especial a idéia de direitos individuais e civis de tal modo distante da concepção ética grega. Portanto, a cidadania vincula-se aos direitos políticos que proporcionará à todo gênero humano pelo menos em tese a preservação da sua dignidade como um dogma, o fortalecimento das liberdades que se estenderão do âmbito individual às questões puramente econômica  incentivadas por um modelo de Estado laico e fortemente capitalista.
Virando a página, é verdade que não se pode medir o grau de cidadania adquirido na modernidade como sendo o mais elevado dos processos posto que muito do que fora idealizado não ter sido efetivamente concretizado. Ainda se constata muito desrespeito em relação aos direitos fundamentais do homem e sua relação com o trabalho continua sendo de exploração por parte de famílias que conservam intactos costumes tradicionalmente imbutidos e em escala global as grandes empresas mundiais que descumprem tratados internacionais de combate à exploração de mão de obra. Em tempos passados o iluminismo acenou com alguma esperança a possibilidade da emancipação do gênero humano a partir de questões éticas ultra-avançadas para a época. A promessa de liberdade, igualdade e fraternidade não passaram de mera propaganda, uma espécie de marketing idealizado pela burguesia e grupos conservadores. Com o trabalho homem continuou infeliz, com mais liberdade passou a acreditar mais em si, feriu sua espiritualidade, trocou sua fé num ser transcendente por religiões de substituições ancoradas no pragmatismo cientifico.
É bem verdade que esse movimento proporcionou entre outras coisas o alargamento do saber cientifico oferecendo incontáveis benefícios para a humanidade, a ciência evoluiu oferecendo curas fantásticas com resultados concretos, com o trabalho alguns puderam alimentar suas esperanças, acumular bens e riqueza; mas em contrapartida, toda riqueza produzida pelo mundo moderno não conseguiu diminuir a miséria de muitos povos, a fome e a indigência de muitos de lá para cá em nada foi alterada e pelo que parece figurará como matéria prima por longos tempos.
A idéia de trabalho como servidão precisa ser substituída se possível pela idéia valor, ou algo próximo daquilo que os gregos chamavam de poieses, o trabalho como fonte de prazer e de reconhecimento daquele que produz com o objeto criado.
Quando a pessoa não encontra sentido naquilo que faz, ela está criando espaços para um processo de alienação terrível e isso tem sido a marca constante nos nossos tempos. Ao estabelecer resultados, as empresas acabam criando uma relação muito desgastante dos funcionários com a própria empresa  e com aquilo que fazem.
Trabalho não é castigo ou as vezes o é como salienta o professor Mario Sergio Cortella em seu livro –Qual é a tua obra? Como castigo porque a maior parte das pessoas diz: “quando eu parar de trabalhar, eu vou fazer isso, isso e isso”. Pensado assim, o trabalho é tortura e produz a sensação terrível de dependência e humilhação nas pessoas. É de um modo geral, alienação.

Por: Israel Martins - filósofo educador. Divinópolis, Março de 2014.

1 (Domênico De Masi. O ócio criativo. Rio de Janeiro: Sextante, 2000. p. 14-15)
2 (ALBORNOZ, 1994, P.59).
Cortella, Mario Sergio. Qual é a tua obra?.9.ed. Vozes, 2010.
Coleção os pensadores. Aristóteles. Ed. Nova Cultural Ltda.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Aviso: o proponente desse blog está expressando sua opinião sobre o tema proposto, e esperamos que as opiniões nos comentários sejam respeitosas e construtivas. O espaço abaixo é destinado para debater o tema e não criticar pessoas. Ataques pessoais não serão, de maneira nenhuma, tolerados, e nos damos o direito de excluir qualquer comentário ofensivo, difamatório, calunioso, preconceituoso ou de alguma forma prejudicial a terceiros, assim como textos de caráter promocional e comentários anônimos (sem um nome completo e e-mail válido).