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Filósofo educador. "(...) a felicidade não é o somatório de todos os prazeres de que logramos desfrutar menos todas as dores que não conseguimos evitar e, sim, uma certa qualidade de vida".

terça-feira, 1 de março de 2011

Edgar Morin - A Cabeça Bem feita


A Cabeça Bem-Feita

“A finalidade de nossa escola é ensinar a repensar o pensamento, a ‘des-saber’ o sabido e a duvidar de sua própria dúvida; esta é a única maneira de começar a acreditar em alguma coisa”.
Juan De Mairena

A primeira finalidade do ensino foi formulada por Montaigne: “mais vale uma cabeça bem-feita que bem cheia”. Entendam aqui “uma cabeça bem cheia” como sendo aquela onde se deposita o saber acumulado, empilhado, um saber conteúdista comumente ensinado em Escolas de formação tradicionalista que via de regra transmitem para seus educandos.
Não nos surpreende quando por esse viés de conhecimento, o aluno possa se deparar com uma infinidade de conhecimentos alguns até estéreis que ao final não dá conta de explicá-lo; torna-se desnecessário. “Uma cabeça bem-feita” não acumula saber. Ela é instigante e propõe sempre a colocar e tratar os problemas; “dispõe de princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido”.
Posto isso, ficamos convencidos de como nossos tecnocratas se satisfazem com as aparências e o eterno faz de conta brincando de legislar sobre os processos educacionais. Política essa que fica ao nivel do espelho, no âmbito da superficialidade, entranhada nos recônditos do somenos emoldurada numa perpétua aparência. Lembremos em tempo que a aparência, segundo os gregos, significou o mundo das sombras, o recôndito dos espiritos não evoluidos, o mundo da ignorância. Pelo que se tem visto, estamo indo muito bem!
O país vive um momento de intensa atividade político-educacional, propostas e reformas são sempre apresentadas na tentativa de dar melhores resultados. Não raro, retrocessos são constatados, pouco influencia nas atitudes do corpo político que o implementam, para eles, não há evidências de deficiências ou de qualquer definhamento na política educacional, pelo contrário, os resultados são alegadamente “eminentes”.
Não é preciso ser especialista para perceber que nossos legisladores até mesmo fazem questão dessa situação, como diz magnificamente a escritora Guiomar de Grammon em um de seus escritos “Ler devia ser proíbido”, porque torna as pessoas demasiadamente humanas. Posto isso, que não esperemos muito dos intelectuais tecnocratas, homens de gabinetes com bagagem e experiência duvidosa sobre assuntos dessa natureza, porque pensando com o estômago, é pouco razoável que mudanças possam surgir em tão pouco tempo. Numa linguagem bem simplória, significa um circo de opiniões toscas e retrógradas que ao final não dá em nada. A pensar na questão, no Brasil em especial, reina o favoritismo político, o apadrinhamento e feudalização dos cargos ministeriais como moeda de compensação. Nessa óptica, aqueles que irão ocupar determinados Ministérios não precisam saber do assunto, basta aceitá-lo e seguir a cartilha...
Se houvesse um investimento de tempo para a educação, tanto quanto se investe na religião ou quem sabe em cidades administrativas como ocorrido na Provinciana Minas Gerais poderiamos nos dar o luxo de ocupar-mos com outras questões muito importante como escola de melhor qualidade e valorização profissional dos professores e demais funcionários das escolas.
O intelecto humano é um universo de possibilidades, quando bem desenvolvido é capaz de tratar problemas complexos. E para tanto se deve levar em consideração o mister, a necessidade de uma educação que irá fomentar a aptidão natural da mente para colocar e resolver problemas e, correlativamente, estimular o pleno emprego da inteligência geral. Mas que pena! É um esforço epistemológico tão grande que confunde a cabeça dos nossos tecnocratas e dos já exangues professores.
Por essas e outras razões nos sentimos a vontade de poder comparar nossos legisladores com o secular Giges, um personagem platônico que em determinadas circunstâncias oculta-se do senso ético-moral, faz aquilo que lhe apetece as custas do sofrimento e da digninidade alheia. O que há de mais nobre no espírito humano, isto é, a curiosidade pelo “saber”, ainda nos anos inciais fica comprometida exatamente por essas espécies de pulgõe do governo que agem na mais perfeita invisibilidade sem que ninguém perceba os seus passos, seus reais interesses. E é justamente nisso que consiste a burocratização do sistema educacional, avançada tecnicamente porém atrasada humanamente.
Não bastasse o escárnio com que anos a fio tem sido pensada a educação; assistimos uma sólida politica de mercantilização da educação, apoiada pelo governo e praticada no âmbito privado. Empresas do ramo da educação travando duelos impressionantes para dividir com outras uma fatia do mercado, que para tanto, anunciam promoções impares de fazer o queixo cair. Universidade para todos “troque um kilo de alimentos” e ganhe descontos na mensalidade.
O problema existe e persiste. Conjecturamos que nos arredores dos muros acadêmicos exista esta dicotomia i.e, a dificuldade de se administrar uma situação quando está em jogo duas linhas de interesses; quais sejam: a educação humana versus ensino técnico, quando este atende diretamente a demanda de mercado e necessariamente ao sistema capitalista-frio que suprime a eficácia de uma verdadeira e necessária formação humana, corroborando deste modo com a prerrogativa de que em alguns casos as ciências humanas representa a fatia menor das instituições e por isso mesmo pouco lucrativa.
Assim, desde sempre o sistema educacional e os profissionais que estão diretamente ligados à educação, vem sofrendo o inferno astral gerenciado por uma administração pública competente e incompetente. A curiosidade pelo saber é freqüentemente aniquilada e combatida pela instrução. É urgente que compreendamos o quão importante é o uso democrático da inteligência para que todos os setores culturais incluindo a cultura cientifica possa deleitar-se dos seus objetivos com a respectiva precisão que lhe é peculiar com o toque especial do “pensar bem”, o que não leva absolutamente a formar um bem pensante.
Em face dessas nuances esperamos o emergir da filosofia e a sua competência para contribuir eminentemente para o desenvolvimento do espírito problematizador. “A filosofia é, acima de tudo, uma força de interrogação e de reflexão, dirigida para os grandes problemas do conhecimento e da condição humana”. Por tudo isso, a filosofia deve imediatamente mostrar sua face, desocupar-se de sua monadazinha - de exclusiva e restrita em si mesma e fazer jus a sua missão desde os tempos clássicos sem, contudo, perder de vista as investigações que lhe são próprias.
É assim a natureza da filosofia. A natureza do professor de filosofia e dos demais professores que souberem manter uma intima relação maiêutica com seus alunos, seus pares e com o conteúdo que ensina. Deverão estender seu poder de reflexão com os conhecimentos científicos ou quem sabe com a literatura e a poesia, alimentando-se ao mesmo tempo de ciência e também de fantasia tendo em mira formar melhor as pessoas e suas cabeças. Esse aparente complexo pedagógico tem nome, chamamos razão logopática isto é, um misto de razão e afetividade como política de valorização da vida.
“Assim, podemos imaginar os caminhos que permitiriam descobrir, em nossas condições contemporâneas, as finalidades da cabeça bem-feita. Tratar-se-ia de um processo continuo ao longo dos diversos níveis de ensino, em que a cultura cientifica e a cultura das humanidades poderiam ser mobilizadas”.
Portanto, o significado de “uma cabeça bem cheia” é obvio: é uma cabeça onde o saber é acumulado, empilhado, e não dispõe de um principio de seleção e organização que lhe dê sentido. “Uma cabeça bem –feita” significa que, em vez de acumular o saber, é mais importante dispor ao mesmo tempo de: uma aptidão geral para colocar e tratar problemas; princípios organizadores que permitam ligar os saberes e lhes dar sentido.
Por fim e para efeito de encerrar assunto: como anda sua cabeça?

Fonte: Morin, Edgar, 1921 A cabeça bem-feita: repensar a reforma, reformar o pensamento/Edgar Morin; tradução Eloá Jacobina-11º ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. 128p.
Adaptação: Martins, Israel, 2008.


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